Quase meia noite

Estou há horas tentando escrever o que tá doendo no coração.

Mas não tem tradução,

ele não fala uma língua.

Você chegou, me deu um medo, me deu uma felicidade. Caí em voo e foi tão alta e rápida a descida, que não deu tempo de pensar no bater das asas. Eu senti o vento, a adrenalina, a angústia, a ansiedade, o encontro. 

Fazer nascer, descobrir e regar o amor é essa descida sem mapa. O amor é fazer o mapa juntxs. É sempre uma descoberta, que tem acertos e erros. E aprendizado. A gente vai aprendendo como voar melhor, vai exercitando as asas. Tu que és pássaro, tens me ensinado bastante.

Não-monogamia

Uma relação é livre quando você percebe que pode ser você. Ser eu mesma é tudo o que vejo de mais livre. E ser eu mesma, é também o que busco ser, o que me proponho a ser, o que almejo ser.

Você se amedronta com várias pessoas que podem ser mais interessantes, mais bonitas, mais tudo. Se a pessoa quer estar, é porque viu sua beleza e quis ancorar.

Ancorar não significa que não navegue vez ou outra. Mas que essas navegações não significam abandono: partida sem volta. Navegar em outras águas não significa que as suas ruins. E se, por ventura, numa dessas navegações significar uma viagem sem volta, que seja. Porque "querer-se livre é também livres os outros".

Eu sou mulher

eu só sei falar de amor
ou de dor
podendo ser
a depender
uma coisa só

e com penar
achei pouco
insignificante

mas a minha dor
e o meu amor
são o que sou
e minha poesia
transversa:
transforma tudo isso
em versos

eu sou mulher
e mesmo que não escrevesse
e mesmo que não lutasse
e ainda que anônima
- como tantas outras -
eu sou mulher
e isso basta

Quase 5h

A chuva e insônia pedem tu
Meu coração pesado de saudade
Desaba
- quer cair nos teus braços

Áries

Você me ensinou os "porquês"

Você me ensinou a ter mais paciência
A não desesperar

Você me mostrou o descanso
O cruzar dos sonhos

Você me mostrou as ondas batendo
E a gente feito conchinha deitadxs
observando

Você me trouxe paz
Me trouxe luta
Me trouxe esperança
de amor
de amar

Amor

Amor é uma coisa límpida,
transparente
Um rio que corre, é correnteza:
o desaguar no mar

(para os dias com gosto de saudade)

Pássaro

Tu me deixas nua
Crua
Despida

Tu me deixas livre
Voando
Viajando

Tu me deixas feliz
Esborrando sorrisos
Tropeçando de felicidade

Vida

 A vida tem dessas voltas
 às vezes causando enjoo
 outras aliviando a alma

 A vida tem desses freios
 alguns são vitais
 em outros, porém, desmaiamos

 A vida tem essa montanha russa
 causa um medo danado
 depois acostuma-se
 com o frio na barriga

 A vida deve ter calmaria
 um balanço do barco no mar
 uma chuva fina no fim de tarde

 Mas eu só acho tempestade
 deve ser mania minha
 de não olhar o tempo e querer navegar

 assim mesmo

Ou então achar que uma chuva rasa

não pode ser outrora

o céu desabando

Dor de part(ir)

To sofrendo a dor do parto
Doi expulsar
Doi ir
Doi partir

Doi querer alguém
Mas ter que deixá-lo
Doi querer ficar
Mas já está se despedindo

E doi se despedir
Porque deixo também
- um pouco
ou muito
não sei -
de mim

Escolha

 Eu encontrei um pássaro
 Cruzou o meu caminho
 E eu me encantei

 Derreti de emoção
 Vê-lo voando acendia
 e multiplicava minha paixão
 pela liberdade

 Ai apareceu uma flor
 Nunca vi mais cheirosa
 Incensou de perfume

 Balançou meu coração
 Me deixou besta
 Apaixonada
 pelo desconhecido

 E hoje estou aqui
 admirando
 Sabendo que escolher
 É me partir
 em mil pedaços

Vontade

Vontade de curar essa ressaca do tanto de amor que bebi.

Vontade de habitar, sem invadir, sem machucar.

Vontade de construir, sem cobrar, sem cansar.

Vontade de encontrar, sem apressar, sem correr.

Vontade de pertencer, sem objetificar, só por descuido.

Para uma flor

No meu jardim
brotou uma flor
Com um perfume único
Essência delicada

Cada pétala que nasce
faz meu jardim mais bonito
E o desconhecido dessa flor
me deixa inebriada

Não sei como nasceu tão linda
E eu apaixonada,
só consigo admirá-la

Escorpião

eu adoro o jeito como tu fala
tem uma cadência e sotaque irresistíveis
eu poderia passar horas só te ouvindo
e te olhando
e admirando

mas é preciso alguma distância
pra gente sentir a saudade apertar o peito
e poder correr
- mesmo que em passos lentos
mesmo que com essa timidez irritante -
pra se ver

e toda vez que te vejo

parece que antes nunca tinha visto

toda vez que te vejo

tu trazes sempre o novo

- o que eu sinto parece mudar

e muda

cresce

eu gosto cada vez mais da tua chatice

e das tuas respostas

que sempre fogem das minhas perguntas

porque o que importa mesmo

é que tu não fujas de mim

porque eu estou aqui

só esperando tu chegar

sorrir

e eu esquecer o resto

do mundo

Coração

ai ai
coisa ruim é ter coração mole
que cai e se derrete por aí
coisa boa é ter coração duro
que tomba
mas não perde a pose

mas não
não sei não
também não ganha a graça
nem o calor
vive pedra
rachada
até que quebra de vez

melhor derretido mermo
só assim a água leva
espalha coração meu pelo mundo

Sobre partidas:

os instrumentos mudam,
muito embora,
as mãos ainda carregam suas
melodias.

Lado a lado

- Eu quero pousar em ti

  Mas eu não quero te invadir

  Eu quero sua permissão

- Não, não...

  Eu quero voar lado a lado

Ou

Culpa, assuma ou desminta
Medo, encare ou se afunde
Felicidade, fuja ou procure
Solidão, reclame ou escreva
Espera, sente-se ou enlouqueça
Caminho, siga ou desvie
O amor... Viva ou.

Viagem

Na noite fria
adentro
O vento traz nostalgias
de momentos que nunca vivi

Da janela do ônibus
eu vejo passar ruas escuras
lojas fechadas
Deserto na cidade

O peito pergunta
algo que não sei responder
De onde vem essa vontade louca
de viver o desconhecido?

A noite é longa
para mim apenas começou
Desço do ônibus
dou tchau pro meu coração que fica na cadeira

Na próxima viagem eu pego
ou não.

Tudo por

A gente vai caminhando
Indagando
Tantos "porquês"

A gente vai indagando
E por isso
Tantas renúncias

A gente vai renunciando
Desistindo
Tantos medos...

E a gente amedrontadx
caminha
Com fome de vida
E sede de viver

A gente nem pega na jarra
Nem nos talheres
A gente não põe o prato
Nem enche o copo

A gente nem sequer vira selvagem
E come e bebe com as mãos

A gente nem se permite romper

A gente vai se disciplinando
E vive vazix
Tudo por não ter coragem de se encher - de amor

Carinho

 Nasci com um poço de carinho
 Quando chove e ele enche
 eu fico transbordando
 Nasci um poço de carinho
 Quando ele fica guardado
 eu fico sem sentido
 Nasci esse poço de carinho
 Quando ele não é dado
 eu seco

Cada parte

Cada dia que passa
Cada passo que dou
Cada dia que raia
Cada raio que parte
Cada parte de mim
Cada pedaço de estrada
Cada estrada que percorro
Cada sufoco que passo
Cada passo que dou
Cada dia me convence
Cada escolha foi certa
Cada acerto me mostra
Cada parte tua tem validade
Cada prazo se encurta
Cada tempo corre
Cada corrida no tempo
Cada sorriso que brota
Cada broto me mostra
Cada parte tua tem validade

Passado

Todos os dias eu tomo uma dose de esquecimento pra tentar não lembrar de ti, e mesmo assim, acabo por nunca esquecer. Como quando a enxaqueca é tão grande que o remédio torna-se ínfimo - apenas o repouso, a quietude, vai fazê-la sumir.

Você que não é doença, não é mal-estar, mas que também não é paz. Você que não é guerra, não é tumulto, mas que também não é calmaria. Você é indecifrável dentro de mim, algo entre o maravilhoso e o péssimo. Você oscila, despenca rapidamente entre uma coisa e outra. Você, cá dentro de mim, bate, espanca meu coração tentando sair, ganhar o mundo... e eu sofro por não encontrar ainda as chaves pra tua liberdade. Ah, como eu queria... Queria te ver pássaro indo embora do meu coração, sorrindo por não tê-lo preso - e assim, não me fazer refém também. Refém do amor que sinto. Esse amor que me prende: corrente amarrada aos pés. Só consigo andar lentamente.

Você, que mora comigo, dorme comigo, está nos meus sonhos, na minha solidão, você que é intocável, impalpável, mas que vibra com uma intensidade, você que insiste em não me abandonar, você que teima em ainda fincar-se em mim, você, você, você. Você não tem nome, você não tem rosto, você não tem idade, mas você tem desejo, você tem teimosia.

Você, que é o meu passado, você me pertence como um presente. Eu tento excluí-lo, para que meu futuro seja livre... como sempre quis, como sempre busquei, como desejei e me sacrifiquei para isso. Eu creio que apenas com o descanso, eu possa ir tateando as cegas os esconderijos do coração e enfim, achar as chaves. A tua liberdade, será minha liberdade.

Hoje estive pensando, como em todos os outros dias, em como fazer pra apagar meu passado. Dai lembrei que apagar é quando ainda tem muita importância. Apagar é fraqueza. Eu preciso viver esse passado, entendê-lo, diluí-lo, digeri-lo, engasgar-me se necessário. Mas eu preciso separar o que foi bom e o que não foi. Eu preciso superá-lo. E aí, eu poderei ser presente. Pensar em um futuro. "Expulsar não basta, tem que parar de pulsar."

Bicicleta

- Tenho ânsia de amar.

- Tens ânsia de amar? Por quê? Amar é uma dor

- Por quê?

- Porque é impactante. Como andar de bicicleta... Você se machuca, cai, se fere. Pode até conseguir aprender, mas sempre estará sujeito a dores. Em algum momento terá pedras, buracos, areia fofa, chuva. Além do próprio desequilíbrio mental. Se tu queres tanto amar é porque certamente nunca amou. Claro que andar de bicicleta é uma aventura, dá frio da barriga, o vento forte no rosto é incrível, a chegada até o destino é sempre insaciável e se quer mais e mais e mais. Nada pago o preço do risco, é verdade... Mas machuca demais quando a corrente se quebra, quando o ferimento é profundo ou quando finalmente, a bicicleta decide que você não sabe andar: ai ela te abandona. Amar, você pode até aprender, mas estará sempre assim: calejado de dor.

Eu fui andando em direção ao mar. Cheguei até a areia. Entrei na água fria. Pulei uma onda, depois outra e outra e outra. Então eu nadei. Nadei desesperadamente. Eu só via a imensidão do mar e uma linha que parecia ser o fim. Eu queria ir até o fim. Ofegante, eu tentava. Eu dizia pra mim mesma: Não desista! E dias e noites eu nadei. Boiava pra aliviar o cansaço. Eu olhava o céu, o sol, a lua. Eu via barcos, navios. Eu tive socorro, porém o neguei. Eu negava que deveria desistir. Eu tentei, eu fugi. Eu quase morri, mas não desisti. Nadei contra corrente, contra o vento. Nadei contra mim mesma. E foi ai que fui sendo só corpo e esqueci da alma. Tentar nadar requer muito mais. Nadar tornou-se mecânico. Na minha busca eu esqueci do querer. Eu esqueci do amor. Eu esqueci de mim.