29/02/2012

Queda livre

 Haviam avisado. Era incerto, tudo incerto. Nós sabemos. Não há garantias pra nada, porque é que logo no amor nós queremos certificados? Pra tapar o buraco que fica quando o outro vai? Talvez seja pra que o outro nunca chegue ou nunca se vá. E o certificado diria bem assim: "Estarei contigo pra sempre" - como uma promessa. E promessas, quando descumpridas, doem mais. Melhor assim, melhor a dúvida, melhor a incerteza. Chega de prisões e grades. O amor adora voar e a gente tem mais que abrir as portinhas da gaiola e nunca, jamais, em momento algum, cortar suas asas. O amor é sustentado pelas suas asas. E inteligente aquele, que o deixa livre e se faz livre pra recebê-lo.
 Pois de braços abertos eu me joguei do penhasco e voo a sua procura, com o vento ressecando a boca e forçando-me a fechar os olhos, com o coração batendo forte e compulsivamente de adrenalina. Haviam avisado antes da descida que poderia sentir medo, e senti. Sinto. Nessa queda pra sempre sentirei. O medo é consequência. Mas que venha por último e seja de instante em instante deixado de lado e cada vez mais escanteado. Que o medo se encha de poeira, que esqueçamos que sentimos medo. Pra nessa descida descobrirmos a delícia que é se jogar livremente. Que haja mais coragem dentro da gente pra ofuscar esse medo. Esse medo que existe, insiste e persiste. Que confunde, afunda e nos prende - a nós mesmos.
 O amor é sustentado pelas suas asas e quanto mais medo, menos a queda será vivida. Menos a queda será encarada como um encontro e não um fim. Porque o amor é essa constante queda e cabe a nós abrirmos os olhos se certificando de que estamos vivos, ou continuar caindo e sentindo esse vento que não bate, acaricia. Que sempre trará carinho, que sempre virá doce, que sempre aparecerá pra animar. Que o vento sempre seja esse faro para o amor. Que eu continue o seguindo, firmemente, convicta que o acharei. Que nunca me canse, que nunca desista, que nunca jamais me desiluda. Porque eu sei, eu sei bem que se me joguei não somente foi por aventura, mas principalmente e primeiramente por sentir que devo e quero e cada dia mais preciso sempre de amor. Para manter-me viva preciso, e quando encontrado o reconhecerei com um sorriso, grato pela procura incessante. Reconhecerei pelas suas asas - iguaizinhas as minhas. Nos reconheceremos.

16/02/2012

Deforme o vento, conforme o ciclo

 O meu olhar estava fixo e o pedaço de papel caía lentamente, eu o acompanhava inerte. Sem cenas de filme, sem câmera ajustada, sem clichê. Ele caía e eu só quis olhar o seu encontro com o chão. Sua insensibilidade não me parecia nada estrategista, me mostrou inocência. Eu sempre doída pelas quedas e ele ingenuamente não se machucava ao cair. Eu sentada, a espera do ônibus e menos dor. Enquanto o pequeno pedaço de papel apenas voava conforme o vento sem pressa, sem ânsia, sem espera, sem vida. Porque eu quis por segundos ser um pouco menos sentimental e não acreditar demais no que eu mesma sentia. Sem enfeites, sem acréscimos, sem confiança. Eu quis por segundos poder cair no chão e ser pisoteada sem sentir nada. Sentir demais é sinônimo de autenticidade. Mas certamente sentir sozinho é um sofrimento grande, e a reciprocidade é esperada. Sentir demais é bom quando o outro também sente muito. Sentir demais sozinho é uma solidão pior do que estar apenas sozinho, sem nada. Sem nada sentir.
 Desvinculei a atenção. Desliguei o rádio emocional. Sabe-se lá por quanto tempo estive parada olhando e seguindo o papel e os pensamentos me invadindo... Mas sei que ninguém além de mim naquele momento havia percebido tamanha frivolidade e se prendido a isso. Eu me soltei. Enfim, o ônibus chegou... O pedacinho de papel cada vez mais longe. Lembrei você. Cada vez mais longe... E então, sem entender, eu tinha transformado um fim numa história dolorosa de filme. Com clichê, mas sem câmeras ajustadas. Sem sentimentos medidos, um coração partido. Eu me fui previsível. Sem surpresa a mim mesma. Decepção, sofrimento, recuperação. Encantamento, afundamento, decepção, sofrimento, recuperação. Que ciclo entediante, com fim e começo premeditado. Sem tempo de partida ou começo, mas sempre a condição de que acaba. Que ciclo infindável. Poderíamos estagnar em alguém e por lá ficar. Poderíamos. Talvez há de se chegar. Mas sem enfeites, sem acréscimos, sem confiança.