24/07/2020

Queda livre IV

acho que to me apegando aos detalhes depois de você
estão todos na minha cabeça
impedindo de te esquecer
não que antes eu não te lembrasse sempre
é só que agora o tempo parece dilatado

a paixão está correndo longe
quer alcançar o horizonte
eu já disse que é pandemia
perigoso demais ultrapassar limites
e paixão escuta?

é surda, mas enxerga tão bem
faz pirraça dizendo que consegue olhar além
eu ainda estou aqui com medo
mas ela já foi sem mim
feito criança descobrindo algo novo

confesso que estou achando graça
às vezes me deleito nessa alegria desgovernada
outras vezes abro os olhos me certificando
não sei se ainda sei ser queda livre
mas por enquanto teu cheiro no vento permanece meu faro

13/07/2020

Notas pandêmicas V

Amar é viver eternidades. É esquecer-se da morte. Ou aceitá-la. É ver a infinitude do horizonte e ainda assim, caber-se dentro dela. Amar é como ter sucessivas epifanias. Faz parecer ter descoberto o sentido da vida mesmo sabendo que é uma grande incógnita. É encontrar casa ainda que a energia humana esteja por toda parte. É pertencer sem possuir. É dar sem entregar. Amar sempre será compartilhar. Expandir. Repercutir. Ao amar aqui eu amo acolá. Ao amar nesta cidade eu amo em outro país. É assim que funciona a natureza. Amar é natureza. É de nossa natureza. Ao amar esquece da distância, da feição, do tempo, ao amar viajamos para a essência, pousamos no íntimo, nos aproximamos do instinto. Amar é dar beleza a essa matéria viva pensante, que se perde achando que há outro caminho senão esse - amar. Ao amar, parecemos seres luminosos exclusivos e eternos. Esquecemos da morte ou a aceitamos como dádiva. Porque ao amar, a dimensão de passado, presente e futuro parece uma linha semelhante ao horizonte, infinita, em que nos equilibramos, e cair não amedronta, porque temos um oceano inteiro.

02/07/2020

Notas pandêmicas IV

Boiar olhando o céu sem óculos, para que não impeçam os raios do sol ofuscarem um pouco a visão. Abrir o corpo, descansar o corpo, deixá-lo ir. Se balançar no vai e vem das ondas, soltar o controle da vida, reconhecer sua imprevisibilidade. Não se sabe os graus de temperatura do dia, a força da maré, o peso do corpo. O peso do corpo que carrega. Dor. Culpa. Desespero. Não se sabe, mas ao boiar entrega. E entregando deixa ir. O que fica, no mergulho se vai. O sal e a potência da água abraçam a gente e por isso dizem que nós seres racionais não respiramos em submersão. Não há aconchego maior! E aí reside o perigo. Mergulho por muito tempo é bolha. Que seguro seria morar em um mergulho (é como regressar ao útero). Mas não seria imprevisível. Por isso retornamos ao ar, retomamos o ar. Buscando respiro, o céu, a imensidão do horizonte, a incógnita de ser pessoa humana. 

"O que sei: sou do mar. Vivo de saldade."