há vida na retaguarda da depressão. começo a perceber as pessoas, me perceber nas pessoas, começo a me perceber como pessoa. o rapaz que trabalha no centro da cidade lavando carro as sete horas liga o samba nas alturas na caixa de som e dança. eu acho a alegria dele contagiante. me emociona. penso que posso encontrar essa alegria em mim também e logo encontro. sorrio. no final da manhã uma senhora conversa comigo na parada de ônibus falando que juventude é a melhor fase, onde não há problemas. e que depois do casamento vem as contas e obrigações. discordo e sorrio. é bom saber que embora não tenha sido assim comigo, vale a pena não ter aceitado a promessa do casamento como salvação. aqui na minha cidade o céu fica cinza e azul com muita facilidade. definitivamente sou parahybana. não me chame para outro lugar. e agora que voltei consigo entender melhor essa instabilidade climática. tenho aprendido a abrir o céu depois de uns anos com o clima muito cinza. sorrio para a lagoa e penso que estou no caminho certo, no lugar certo, no corpo certo, no centro de mim e com fartos desejos aqui dentro. na retaguarda da depressão, há muito o que fazer comigo mesma. sou grata por não desistir de buscar o sorriso. modéstia à parte, acho o meu muito bonito. :)
Um planeta mudo
As palavras expressam o que a voz não emite
17/04/2024
26/03/2024
Notas psicológicas
O pai da minha grande amiga está morrendo. Comecei a sentir muita tristeza e não entendia o porquê. Ver ela enfrentando o luto de um pai vivo me permitiu compreender a razão de tanta angústia. Finalmente dei nome. Eu vivo o luto do meu pai há anos. De quem está aqui, mas já foi faz tempo. Eu sofro o luto de um pai vivo e o medo de que ele morra é a concretização da falta do amor dele por mim.
20/02/2024
Pai II
Seu amor pelas galinhas é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelos cachorros é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelos seus discos é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelas suas ferramentas é maior do que seu amor por mim
Seu amor pela sua casa é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelo seu sítio é maior do que seu amor por mim
Seu amor por mim é do tamanho de sua boca
Que você solta e ecoa
Mas eu não consigo sentir
Seu amor por mim não faz você vir até mim
Isso é amor?
Então terei que ser eu irracional ou inanimada?
15/11/2023
Do(r)lente
as dores do mundo não são minhas
confundo dores alheias com minhas dores
minha dores assim se tornam pequenas
insuficientes para serem dores
e minha dores
ainda que doídas
não são cuidadas
absorvo tantas dores há tanto tempo
que mal sei como doem minhas dores
e agora elas doem tanto
sufocadas pelos meus descuidos
que parecem feridas abertas no corpo todo
03/10/2023
Cura
Luedji Luna
Mar
Clarice Lispector
Barra de Mamanguape
Amizades
Alfaia
Lua Cheia
Dançar
Yoga
Cozinhar
Bicicleta
Beautiful Chorus
Escrever
e entre algumas outras coisas,
Você.
19/09/2023
Escritório
Entro um pouco depois de 22h no prédio e já me sinto aquecida. O frio dessa cidade me faz gostar um pouco daqui, no entanto me reconheço mais triste. Enquanto penso, vou subindo dois lances de escada e vem uma pontada de cólica. Pauso. Subo mais um lance de escada. Pauso. Tal qual tem sido meus dias. Um por vez. Subo o último lance de escada. Procuro a chave, abro o apartamento, entro. Lembro mais uma vez da sensação de desamparo que é estar em casa e não se sentir em casa. Logo eu, que quis tanto a minha casa, móveis, plantas, som, paz. Como não me sinto feliz? Por que não me sinto feliz? Apoio a bolsa no sofá, tiro a roupa, vou ao banheiro, faço xixi e penso em dormir para esquecer. Mas nem dormir tem sido bom. Logo eu, que sempre dormi tanto e tão bem.
Levanto e decido ir ao escritório escrever. Escrever sempre me salvou. Então abro a porta e me vejo deitada em posição fetal. No chão frio e no escuro. Me vejo com um medo de criança, como se houvessem fantasmas, monstros, bichos. Como se a fantasia fosse a realidade e ninguém abrisse a porta, tão pouco acendesse a luz. Eu não grito nem me movo, encolhida permaneço olhando o escuro abraçada ao medo. Em pé com a mão no trinco me fito deitada, me vejo tremer de frio e dor. Não sei o que fazer comigo. Essa é uma angústia velha, eu não sei o que estou fazendo comigo. Me demoro tanto olhando atônita que começo a sentir também frio e tremores. Em pé ancorada no trinco gelado da porta nesse frio campinense na merda desse apartamento só meu. Que diabos de sonho foi esse que eu desejei? Esse sonho é meu? Essa cidade, esse emprego, esse apartamento, esse frio?
Busco o cobertor no quarto e enrolada volto ao escritório. Acendo a luz. Me aproximo de mim e penso em me perguntar o que preciso, mas sei que não conseguiria responder. Quando nada rompe o silêncio, o que mais vale são os gestos. Deito comigo mesma, em conchinha, nos cubro com o cobertor que abarca essas eus pequenas, magras, medrosas, tristes e que já não sabem o que é temperatura, o que é físico, o que é emocional e o que é realidade. Deitadas ficamos até nos aquecermos, abraçadas. O frio passa depois de um longo tempo. Já não trememos. Então minha eu vira de frente para mim e nos olhamos nos olhos, tão fundo que só se pode olhar assim para quem muito conhecemos. Tão fundo que enxergamos a resposta. Não temos respostas. Nossos olhares são desespero e angústia, mas já não temos frio. Já não estamos no quarto escuro e trancado.
A mulher que sou continua deitada com a criança mulher, olhando com e nos olhos inchados de tantas lágrimas. Há um cobertor de amor nos cobrindo, que serve por enquanto para não morrermos. É o suficiente. Se eu me salvei da morte do frio, eu vou me salvar dessa tristeza que parece ser infinda.