17/04/2024

no centro de mim

há vida na retaguarda da depressão. começo a perceber as pessoas, me perceber nas pessoas, começo a me perceber como pessoa. o rapaz que trabalha no centro da cidade lavando carro as sete horas liga o samba nas alturas na caixa de som e dança. eu acho a alegria dele contagiante. me emociona. penso que posso encontrar essa alegria em mim também e logo encontro. sorrio. no final da manhã uma senhora conversa comigo na parada de ônibus falando que juventude é a melhor fase, onde não há problemas. e que depois do casamento vem as contas e obrigações. discordo e sorrio. é bom saber que embora não tenha sido assim comigo, vale a pena não ter aceitado a promessa do casamento como salvação. aqui na minha cidade o céu fica cinza e azul com muita facilidade. definitivamente sou parahybana. não me chame para outro lugar. e agora que voltei consigo entender melhor essa instabilidade climática. tenho aprendido a abrir o céu depois de uns anos com o clima muito cinza. sorrio para a lagoa e penso que estou no caminho certo, no lugar certo, no corpo certo, no centro de mim e com fartos desejos aqui dentro. na retaguarda da depressão, há muito o que fazer comigo mesma. sou grata por não desistir de buscar o sorriso. modéstia à parte, acho o meu muito bonito. :)

26/03/2024

Notas psicológicas

O pai da minha grande amiga está morrendo. Comecei a sentir muita tristeza e não entendia o porquê. Ver ela enfrentando o luto de um pai vivo me permitiu compreender a razão de tanta angústia. Finalmente dei nome. Eu vivo o luto do meu pai há anos. De quem está aqui, mas já foi faz tempo. Eu sofro o luto de um pai vivo e o medo de que ele morra é a concretização da falta do amor dele por mim.

20/02/2024

Pai II

Seu amor pelas galinhas é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelos cachorros é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelos seus discos é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelas suas ferramentas é maior do que seu amor por mim
Seu amor pela sua casa é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelo seu sítio é maior do que seu amor por mim
Seu amor por mim é do tamanho de sua boca
Que você solta e ecoa
Mas eu não consigo sentir
Seu amor por mim não faz você vir até mim
Isso é amor?

Então terei que ser eu irracional ou inanimada?

15/11/2023

Do(r)lente

as dores do mundo não são minhas
confundo dores alheias com minhas dores
minha dores assim se tornam pequenas
insuficientes para serem dores
e minha dores
ainda que doídas
não são cuidadas
absorvo tantas dores há tanto tempo
que mal sei como doem minhas dores
e agora elas doem tanto
sufocadas pelos meus descuidos
que parecem feridas abertas no corpo todo

03/10/2023

Cura

Luedji Luna
Mar
Clarice Lispector
Barra de Mamanguape
Amizades
Alfaia
Lua Cheia
Dançar
Yoga
Cozinhar
Bicicleta
Beautiful Chorus
Escrever
e entre algumas outras coisas,
Você.

19/09/2023

Escritório

Entro um pouco depois de 22h no prédio e já me sinto aquecida. O frio dessa cidade me faz gostar um pouco daqui, no entanto me reconheço mais triste. Enquanto penso, vou subindo dois lances de escada e vem uma pontada de cólica. Pauso. Subo mais um lance de escada. Pauso. Tal qual tem sido meus dias. Um por vez. Subo o último lance de escada. Procuro a chave, abro o apartamento, entro. Lembro mais uma vez da sensação de desamparo que é estar em casa e não se sentir em casa. Logo eu, que quis tanto a minha casa, móveis, plantas, som, paz. Como não me sinto feliz? Por que não me sinto feliz? Apoio a bolsa no sofá, tiro a roupa, vou ao banheiro, faço xixi e penso em dormir para esquecer. Mas nem dormir tem sido bom. Logo eu, que sempre dormi tanto e tão bem.
Levanto e decido ir ao escritório escrever. Escrever sempre me salvou. Então abro a porta e me vejo deitada em posição fetal. No chão frio e no escuro. Me vejo com um medo de criança, como se houvessem fantasmas, monstros, bichos. Como se a fantasia fosse a realidade e ninguém abrisse a porta, tão pouco acendesse a luz. Eu não grito nem me movo, encolhida permaneço olhando o escuro abraçada ao medo. Em pé com a mão no trinco me fito deitada, me vejo tremer de frio e dor. Não sei o que fazer comigo. Essa é uma angústia velha, eu não sei o que estou fazendo comigo. Me demoro tanto olhando atônita que começo a sentir também frio e tremores. Em pé ancorada no trinco gelado da porta nesse frio campinense na merda desse apartamento só meu. Que diabos de sonho foi esse que eu desejei? Esse sonho é meu? Essa cidade, esse emprego, esse apartamento, esse frio?
Busco o cobertor no quarto e enrolada volto ao escritório. Acendo a luz. Me aproximo de mim e penso em me perguntar o que preciso, mas sei que não conseguiria responder. Quando nada rompe o silêncio, o que mais vale são os gestos. Deito comigo mesma, em conchinha, nos cubro com o cobertor que abarca essas eus pequenas, magras, medrosas, tristes e que já não sabem o que é temperatura, o que é físico, o que é emocional e o que é realidade. Deitadas ficamos até nos aquecermos, abraçadas. O frio passa depois de um longo tempo. Já não trememos. Então minha eu vira de frente para mim e nos olhamos nos olhos, tão fundo que só se pode olhar assim para quem muito conhecemos. Tão fundo que enxergamos a resposta. Não temos respostas. Nossos olhares são desespero e angústia, mas já não temos frio. Já não estamos no quarto escuro e trancado.
A mulher que sou continua deitada com a criança mulher, olhando com e nos olhos inchados de tantas lágrimas. Há um cobertor de amor nos cobrindo, que serve por enquanto para não morrermos. É o suficiente. Se eu me salvei da morte do frio, eu vou me salvar dessa tristeza que parece ser infinda.

12/09/2023

Depressão

Ela foi crescendo paulatinamente, sem que eu percebesse, como uma sombra. Certo dia já fazia parte de mim, certo dia eu chorava todos os dias, certo dia eu não conseguia chorar, certo dia o silêncio dormia comigo, certo dia eu já não lembrava do som do meu grito, certo dia eu sequer sabia o que era pedir ajuda, certo dia a vida pareceu muito longa com menos de trinta, certo dia achei que não nasci pra ser feliz, certo dia tive certeza que não fui feita para ser amada, certo dia a vida sequer brilhava olhando pro sol. Não sei quando começou, também nem imagino quando vai cessar. Enquanto isso, busco os dias errados, driblo tal qual uma criança fugindo do pega-pega, finjo que não me tomou, imagino que me pertenço. Até (re)encontrar quem eu sou - sem ela.