19/09/2023

Escritório

Entro um pouco depois de 22h no prédio e já me sinto aquecida. O frio dessa cidade me faz gostar um pouco daqui, no entanto me reconheço mais triste. Enquanto penso, vou subindo dois lances de escada e vem uma pontada de cólica. Pauso. Subo mais um lance de escada. Pauso. Tal qual tem sido meus dias. Um por vez. Subo o último lance de escada. Procuro a chave, abro o apartamento, entro. Lembro mais uma vez da sensação de desamparo que é estar em casa e não se sentir em casa. Logo eu, que quis tanto a minha casa, móveis, plantas, som, paz. Como não me sinto feliz? Por que não me sinto feliz? Apoio a bolsa no sofá, tiro a roupa, vou ao banheiro, faço xixi e penso em dormir para esquecer. Mas nem dormir tem sido bom. Logo eu, que sempre dormi tanto e tão bem.
Levanto e decido ir ao escritório escrever. Escrever sempre me salvou. Então abro a porta e me vejo deitada em posição fetal. No chão frio e no escuro. Me vejo com um medo de criança, como se houvessem fantasmas, monstros, bichos. Como se a fantasia fosse a realidade e ninguém abrisse a porta, tão pouco acendesse a luz. Eu não grito nem me movo, encolhida permaneço olhando o escuro abraçada ao medo. Em pé com a mão no trinco me fito deitada, me vejo tremer de frio e dor. Não sei o que fazer comigo. Essa é uma angústia velha, eu não sei o que estou fazendo comigo. Me demoro tanto olhando atônita que começo a sentir também frio e tremores. Em pé ancorada no trinco gelado da porta nesse frio campinense na merda desse apartamento só meu. Que diabos de sonho foi esse que eu desejei? Esse sonho é meu? Essa cidade, esse emprego, esse apartamento, esse frio?
Busco o cobertor no quarto e enrolada volto ao escritório. Acendo a luz. Me aproximo de mim e penso em me perguntar o que preciso, mas sei que não conseguiria responder. Quando nada rompe o silêncio, o que mais vale são os gestos. Deito comigo mesma, em conchinha, nos cubro com o cobertor que abarca essas eus pequenas, magras, medrosas, tristes e que já não sabem o que é temperatura, o que é físico, o que é emocional e o que é realidade. Deitadas ficamos até nos aquecermos, abraçadas. O frio passa depois de um longo tempo. Já não trememos. Então minha eu vira de frente para mim e nos olhamos nos olhos, tão fundo que só se pode olhar assim para quem muito conhecemos. Tão fundo que enxergamos a resposta. Não temos respostas. Nossos olhares são desespero e angústia, mas já não temos frio. Já não estamos no quarto escuro e trancado.
A mulher que sou continua deitada com a criança mulher, olhando com e nos olhos inchados de tantas lágrimas. Há um cobertor de amor nos cobrindo, que serve por enquanto para não morrermos. É o suficiente. Se eu me salvei da morte do frio, eu vou me salvar dessa tristeza que parece ser infinda.

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