18/10/2021

Andarilha III

Um dia as pessoas vão me olhar na rua e eu vou ser uma comum desconhecida.

Um dia as pessoas vão me olhar e me desconhecerem ao andar. 

Cadê você?

Quem se tornou?

Para onde vai?

E com um sorriso singelo vou responder: o que sou estou sempre a buscar.

09/10/2021

Mar aberto

Eu estou na beira da praia. Sem roupa de banho. O mar me chama para dentro. O seu som me diz: olhe para dentro. Como é difícil... O que tenho dentro é um oceano. Estou agora em mar aberto. Sem terra à vista. Não sei voar e a necessidade de tocar o solo é imensa. Queria sangrar, para poder quem sabe, diluir a vastidão.

Hoje cedo acordei com tanta dor! Com o calafrio, o suor e a tontura parecia estar parindo a mim mesma. Quase desmaiar me fez pensar em ligar para alguém. A dor quando foi embora me fez pensar. Aí dormi. Acordei e não sabia o que fazer comigo mesma. Gilberto Gil tem razão. Não preciso aprender a ser só, preciso aprender a só ser. E é vasto, imenso, oceânico. Só ser é muita coisa e ainda não sei.

Então vim para a beira da praia. Talvez seja uma parte minha na terra que diz para a parte minha na água: a vida é ambivalente. Tudo bem querer ser livre e ainda não saber. Tudo bem querer estar sozinha e precisar de companhia. Tudo bem gostar do desconhecido e necessitar de segurança. Tudo bem ser mulher e ainda ser menina. A mulher está no mar ou no solo? E a menina?

Sempre tenho frio no fim da tarde, mas com o casaco o vento não acaricia. A todo instante eu quero duas coisas. Tudo bem ser ambivalente. Mas hoje eu só queria alguém pela manhã, caso eu desmaiasse. Porque no mar aberto não se pode estar inconsciente. Sinto cansaço em ser imensa. Só no corpo consigo ser pequena. Meu corpo tem 27 anos. Mas quantos anos tem minha alma?

22/09/2021

Meio

No meio do dia. No meio da sala. No meio prato. No meio do peito. No meio do choro. No meio do pranto. No meio de nutrir. Tem você. 

No meio da noite. No meio do quarto. No meio da cama. No meio vazio. No meio cheio. No meio do nada. No meio do tudo. No meio de descansar. Tem você.

No meio da manhã. No meio da cozinha. No meio da pia. No meio do sujo. No meio do limpo. No meio da água. No meio da sede. No meio da saliva. Tem você.

No meio das horas. No meio dos cômodos. No meio dos objetos. No meio dos instantes. No meio das lembranças. No meio dos desejos. No meio dos medos. Tem você.

No meio do sol. No meio da lua. No meio do mar. No meio do bosque. No meio das plantas. No meio do vento. No meio do pensamento. No meio do coração. Tem você.

No meio da semana. No meio de hoje. No meio de lembrar. No meio de esquecer. No meio de vestir. No meio de despir. No meio de detestar. No meio de amar. Tem você.

Na frente do princípio. No meio. Atrás do fim.

16/09/2021

Fotografia

Eu amo o seu cheiro e como isso me traz a ilusão de segurança. Ou fuga da realidade - como uma droga.
Eu odeio os ciclos de prazer e dor que vivo ao sentir teu cheiro e no mesmo instante saber que ele não exala casa.
Eu amo o fato de poder me sentir viva ao estar com você e ser admirada.
Eu odeio o fato de me sentir morrer cada vez que compreendo minha falta de auto estima.
Não sei o que é o amor porque ainda não sei amar.
O amor é uma fotografia embaçada para mim, preciso usar outras lentes.
Nunca amei em nitidez.

07/08/2021

Queda livre V

Essa metáfora do amor como um pulo do penhasco só me levou ao chão. E eu julgando ser coragem, sempre subindo novamente ao topo, cada vez mais cansada. Me entregando para o amor. Eu não sei em que lugar eu me encontro. Eu nem sei se me serve mais essa coisa de se jogar, sem abrir os olhos. Voar me interessa, voar é meu destino. Mas ir em busca do amor a outra pessoa, não sei mais se faz sentido. Acho que usei a palavra coragem no lugar de anulação. Me jogar do penhasco com toda adrenalina, parece ser mais uma forma de esquecer da dor de ser eu. E de também encontrar a delícia. Pular representa a espera de ser salva? Deve ser por isso que sempre fui ao chão. Dura realidade, nestes estrondos que julguei serem voos, compreender que era uma forma de me engaiolar. Sofrido me deparar com a verdade de que jamais alguém me salvará. Não sei em que parte eu me encontro. No pulo, no chão, no topo. Eu sei que me acaricio cada vez menos com esse vento e não me parece ele o faro para o amor. Voar é meu destino, essa é a minha viagem. Não em busca de alguém, mas sim, de mim mesma.

22/06/2021

Para meu eu do futuro

Agora você não entende e nem cabe entender tudo na vida. Quando adolescente em suas infindáveis leituras e a mania de eternizar palavras na parede você escreveu "Perder-se também é caminho". Clarice Lispector fez sentido para você naquele momento, mas não tanto quanto hoje. Eu diria que talvez só se perdendo para encontrar seu verdadeiro caminho. Agora você não compreende e talvez nem faça questão quando em  algum cruzar de rua, entrando numa esquina, naquele instante em que a perspectiva do olhar muda, você sinta essa verdade. Cada passo em busca de algo que ainda não via, mas que inexplicavelmente era o necessário para chegar aonde agora eu estou e poder te dizer que você se encontrou. Eu não sei que estrada, que cidade, que continente eu piso, que ar, que língua, que amor eu falo. Eu sei que você sabe, de alguma maneira você sabe. E é em busca deste instante que você não pode parar. O depois é uma viagem deliciosa para um lugar desconhecido, com muita abundância e curiosidade de observar o mundo de possibilidades.

04/06/2021

Retalhos

Eu não sou uma mulher
Essa que é modelo social
Essa que modelo socialmente

Eu não sou uma mulher
Essa que não cresce
Essa que só pode ser grande

Eu não sou uma mulher
Essa que eu planejo
Essa que me planejam

Eu só sou uma mulher
Essa que vos fala
Essa que se muda

Eu só sou uma mulher
Retalhos de uma mulher
Uma mulher em retalhos


16/05/2021

Joana-de-barro

Eu sou arquiteta do amor
Planejo
Idealizo
Projeto
Olhar visionário
Enquanto arquiteto,
eu canto.

Eu sou pedreira do amor
Carrego
Construo
Sustento
Mãos nutritivas
Enquanto ergo,
eu voo.

Um ser que ainda mistura
no mesmo barro
liberdade e estabilidade.

Não canto e nem voo
como posso.

Não entendo que estabilidade
nunca existiu
e a liberdade só será possível
quando depurar o barro.

Mas mantenho a perseverança,
ainda sou uma jovem pássara.

31/03/2021

Curandeira

Hoje é o último dia de março. Já passou o ano novo, inclusive astrológico. Não é meu aniversário. Mas me sinto renascendo. Voltando ao útero. Por isso a ansiedade e o medo. Então me lembro que não é nascer, é renascer. Não estarei pronta, mas me permito pela primeira vez voltar para poder me tornar. Passado, presente e futuro estão no agora, o tempo não é linear. No entanto, a história também não se repete. Me sinto renascendo. Se formar uma criatura humana de corpo e alma doi. Não estou pronta, só que já não sei mais parar de olhar para cada ferida na alma com esse corpo de 26 anos e estancar, limpar, costurar e curar cada uma delas. Parecem não ter fim... Estão por toda parte. Mas eu sou curandeira.

13/03/2021

Escrevedor

Escrever sempre foi cura. Por isso um planeta cheio de dores, que apenas verbalizadas não seriam tangíveis. As dores só são palpáveis para mim, quando escritas. Mas não escrevo para ser compreendida. Escrevo para compreender. Uma vez escrevi que sou uma mulher que só sei falar de amor ou de dor. Podendo ser, a depender, uma coisa só. Mal sabia eu, naquele momento, como sei agora, que aprendi o amor como dor. Eu nem tinha sido parida e já não fui amada, nem desejada, nem alimentada. Não sei ao certo, mas acredito que vim ao mundo mais cedo por sobrevivência. O fato é que eu estava desnutrida de alimento e amor. Talvez o útero não tenha sido um lugar seguro para mim... Foi ali onde tudo começou. Achar que dor é amor. Depois de longos anos eu descobri minha ferida primordial. Ou melhor, acessei. Escrever sempre foi romper com a falta. Com o desamparo. Com a carência. Com a infelicidade de ser indefesa perante a vida e ainda assim, ter que lutar por ela. Viver é isso, afinal, desde a concepção. Escrever sobre a dor, escrever com dor, escrever para a dor, escrever pela dor, escrever dor. Até que ela se cure. É para isso que eu escrevo, para me alimentar das palavras e saciar a fome de ser amada. Os búzios apontaram que eu tenho um lado escrevedor. Nunca fui escritora. Nem poeta. Eu sou uma mulher em busca de finalmente cortar o cordão umbilical que conecta o amor à dor.

12/03/2021

Lar

Eu nunca fui uma mulher de grandes sonhos. Não sei se existem sonhos grandes e pequenos sonhos. É certo que entre eles há a realidade. Mas acho que sonho ultrapassa a realidade.

Eu sempre fui uma pessoa de sonhos. A realidade nunca me limitou, embora ache que por muitas vezes ela faça morrer alguns sonhos que rebentaram. Porque sonhos são como crianças, novas no mundo e cheias de sabedoria. A gente é que adultece. A gente é que desiste.

Eu sempre tive sonhos, mas o maior de toda minha vida é ter um lar. Acho que é o mais bonito também. E o mais dolorido. Ter lar é bem maior do que ter uma casa. É quase como ter um lugar no mundo. Toda andarilha precisa de repouso. Eu estou numa busca incessante do meu.

07/03/2021

Tatuagem

A tatuagem cicatrizou. Eu nem preciso hidratar todos os dias. Até não me surpreendo tanto ao olhar no espelho. Não rendi ao desejo, exceto enquanto dormia. Acordei em noites coçando desesperadamente e bêbada de sono lembrava que não podia. Mas você ainda não cicatrizou, não me acostumei, não me esqueço, continuo cuidando. Uma tatuagem interna dura bem mais o processo. O desejo se consome no sono, em sonho, mas eu já desperto constatando a realidade. Saudade de você é como tatuagem grande, de uma longa sessão, que sangra, coça, doi. Mas tudo bem, eu não sabia o desenho, nem o tamanho, tampouco quem me tatuava. Marcar o corpo é arte, marcar a alma é lembrança.

20/02/2021

Saudade

Saudade de você é como a tatuagem cicatrizando que coça. Eu sei que não faz bem corresponder o desejo, mas enquanto durasse eu não trocaria por nada.

17/02/2021

Todo carnaval tem seu fim

Encanto à segunda vista
Visita nos meus sonhos
Mas fui realista
Não cabia fantasias

Até chegar o carnaval
Com suor e purpurina
Me vesti de rival
E atuei no desejo

Depois vieram cinzas
Pandemia e distância
Inúmeras incertezas
Mas já era paixão

Não consegui desistir
Frustração e saudade
Meses a coexistir
Com música e poesia

Enfim veio o encontro
Descortinaram as fantasias
Roupas e lençois
Com suor e agonia

De novo meses passaram
Paixão e incertezas
Banhados de intensidade
Mas também muita tristeza

Ainda é pandemia
Me dispo da rival
Tento ignorar os detalhes
E novamente é carnaval

Todo ele tem seu fim
Assim para o amor
Assim para a folia
Há de ter para a dor

Vênus em câncer

O prazer de fumar o primeiro cigarro e o amargo da ressaca no outro dia.
A pedra no sapato que me causa uma dor gostosa.

15/02/2021

Fossa

Esse lugar sempre pinga, fede, escurece, faz encolher, possui bichos peçonhentos, não apresenta saída. São sombras e medos. O encontro com meus próprios dejetos. Mas não estou me odiando. Tá assustadoramente doloroso e estranhamente prazeroso. Pela primeira vez eu não estou me odiando. Porque eu tenho consciência que escolhi chegar até aqui. Eu caminhei até este lugar. Eu não caí. Eu consegui afastar os bichos mais rápido dessa vez, não chegaram a comer parte de mim. Foi exatamente o tempo que durou a posição fetal. Ainda fede, mas vez em quando a rinite ataca. Isso salva. Continua pingando, a quantidade não se alterou, mas o ritmo sim. A escuridão agora é uma escolha. Recorro quando necessário. Mas sei que a saída está longe. 

Desci ao nível de jogar paciência no computador.

14/02/2021

Ribeiro II

assim como tempo
estou em dilúvios

transpirando saudade
e derramada em paixão

tudo sobre você é agua
mas nem sempre doce

13/02/2021

Andarilha II

A verdade é que eu estou adoecida. Faz mais ou menos dois anos que entendi que estou perdida na vida. Que eu tinha trilhado muitos caminhos sem fazer escolhas genuínas. As ondas me levando e eu ora boiando ora se afogando. Foi quando decidi me encontrar. Desde então tem sido solitário, triste e frio. A escolha de ir em busca do que sou ou quero ser, exige nadar com braços, pernas e coração.

Tem horas que eu só queria entregar meu destino ao vento, fazer ele decidir a rota... Mas isso seria me perder mais um pouco. Ter que me reencontrar novamente. Já foi tão doloroso o percurso até aqui, não acho que tenho alguma condição de me exigir mais esforço. E eu continuo perdida. A diferença agora é que eu sei que estou tentando me descobrir.

Não lembro mais de quando fui intensamente feliz. Talvez inclusive minha ideia de felicidade esteja complemente atrelada ao fato de estar distante de mim. Preciso reinventar a felicidade! Ela me é urgente, mas alcançá-la leva tempo... Tudo é em torno do tempo. Eu estou adoecida porque me falta sentir profunda felicidade. E eu tive tantos motivos até aqui para isso, só que todos ressoam como uma pequena alegria.

Por todos esses meses buscando sentido em viver, me perguntando o porquê afinal estou aqui, no que seria útil eu estar aqui, se há sentido, se há razão... Por todos esses meses buscando e ainda perdida, tem horas que parece não ter fim, não ter respostas. Eu nadando na promessa interna que vou chegar em terra firme. E se não tiver terra firme?