31/03/2021

Curandeira

Hoje é o último dia de março. Já passou o ano novo, inclusive astrológico. Não é meu aniversário. Mas me sinto renascendo. Voltando ao útero. Por isso a ansiedade e o medo. Então me lembro que não é nascer, é renascer. Não estarei pronta, mas me permito pela primeira vez voltar para poder me tornar. Passado, presente e futuro estão no agora, o tempo não é linear. No entanto, a história também não se repete. Me sinto renascendo. Se formar uma criatura humana de corpo e alma doi. Não estou pronta, só que já não sei mais parar de olhar para cada ferida na alma com esse corpo de 26 anos e estancar, limpar, costurar e curar cada uma delas. Parecem não ter fim... Estão por toda parte. Mas eu sou curandeira.

13/03/2021

Escrevedor

Escrever sempre foi cura. Por isso um planeta cheio de dores, que apenas verbalizadas não seriam tangíveis. As dores só são palpáveis para mim, quando escritas. Mas não escrevo para ser compreendida. Escrevo para compreender. Uma vez escrevi que sou uma mulher que só sei falar de amor ou de dor. Podendo ser, a depender, uma coisa só. Mal sabia eu, naquele momento, como sei agora, que aprendi o amor como dor. Eu nem tinha sido parida e já não fui amada, nem desejada, nem alimentada. Não sei ao certo, mas acredito que vim ao mundo mais cedo por sobrevivência. O fato é que eu estava desnutrida de alimento e amor. Talvez o útero não tenha sido um lugar seguro para mim... Foi ali onde tudo começou. Achar que dor é amor. Depois de longos anos eu descobri minha ferida primordial. Ou melhor, acessei. Escrever sempre foi romper com a falta. Com o desamparo. Com a carência. Com a infelicidade de ser indefesa perante a vida e ainda assim, ter que lutar por ela. Viver é isso, afinal, desde a concepção. Escrever sobre a dor, escrever com dor, escrever para a dor, escrever pela dor, escrever dor. Até que ela se cure. É para isso que eu escrevo, para me alimentar das palavras e saciar a fome de ser amada. Os búzios apontaram que eu tenho um lado escrevedor. Nunca fui escritora. Nem poeta. Eu sou uma mulher em busca de finalmente cortar o cordão umbilical que conecta o amor à dor.

12/03/2021

Lar

Eu nunca fui uma mulher de grandes sonhos. Não sei se existem sonhos grandes e pequenos sonhos. É certo que entre eles há a realidade. Mas acho que sonho ultrapassa a realidade.

Eu sempre fui uma pessoa de sonhos. A realidade nunca me limitou, embora ache que por muitas vezes ela faça morrer alguns sonhos que rebentaram. Porque sonhos são como crianças, novas no mundo e cheias de sabedoria. A gente é que adultece. A gente é que desiste.

Eu sempre tive sonhos, mas o maior de toda minha vida é ter um lar. Acho que é o mais bonito também. E o mais dolorido. Ter lar é bem maior do que ter uma casa. É quase como ter um lugar no mundo. Toda andarilha precisa de repouso. Eu estou numa busca incessante do meu.

07/03/2021

Tatuagem

A tatuagem cicatrizou. Eu nem preciso hidratar todos os dias. Até não me surpreendo tanto ao olhar no espelho. Não rendi ao desejo, exceto enquanto dormia. Acordei em noites coçando desesperadamente e bêbada de sono lembrava que não podia. Mas você ainda não cicatrizou, não me acostumei, não me esqueço, continuo cuidando. Uma tatuagem interna dura bem mais o processo. O desejo se consome no sono, em sonho, mas eu já desperto constatando a realidade. Saudade de você é como tatuagem grande, de uma longa sessão, que sangra, coça, doi. Mas tudo bem, eu não sabia o desenho, nem o tamanho, tampouco quem me tatuava. Marcar o corpo é arte, marcar a alma é lembrança.