15/11/2023

Do(r)lente

as dores do mundo não são minhas
confundo dores alheias com minhas dores
minha dores assim se tornam pequenas
insuficientes para serem dores
e minha dores
ainda que doídas
não são cuidadas
absorvo tantas dores há tanto tempo
que mal sei como doem minhas dores
e agora elas doem tanto
sufocadas pelos meus descuidos
que parecem feridas abertas no corpo todo

03/10/2023

Cura

Luedji Luna
Mar
Clarice Lispector
Barra de Mamanguape
Amizades
Alfaia
Lua Cheia
Dançar
Yoga
Cozinhar
Bicicleta
Beautiful Chorus
Escrever
e entre algumas outras coisas,
Você.

19/09/2023

Escritório

Entro um pouco depois de 22h no prédio e já me sinto aquecida. O frio dessa cidade me faz gostar um pouco daqui, no entanto me reconheço mais triste. Enquanto penso, vou subindo dois lances de escada e vem uma pontada de cólica. Pauso. Subo mais um lance de escada. Pauso. Tal qual tem sido meus dias. Um por vez. Subo o último lance de escada. Procuro a chave, abro o apartamento, entro. Lembro mais uma vez da sensação de desamparo que é estar em casa e não se sentir em casa. Logo eu, que quis tanto a minha casa, móveis, plantas, som, paz. Como não me sinto feliz? Por que não me sinto feliz? Apoio a bolsa no sofá, tiro a roupa, vou ao banheiro, faço xixi e penso em dormir para esquecer. Mas nem dormir tem sido bom. Logo eu, que sempre dormi tanto e tão bem.
Levanto e decido ir ao escritório escrever. Escrever sempre me salvou. Então abro a porta e me vejo deitada em posição fetal. No chão frio e no escuro. Me vejo com um medo de criança, como se houvessem fantasmas, monstros, bichos. Como se a fantasia fosse a realidade e ninguém abrisse a porta, tão pouco acendesse a luz. Eu não grito nem me movo, encolhida permaneço olhando o escuro abraçada ao medo. Em pé com a mão no trinco me fito deitada, me vejo tremer de frio e dor. Não sei o que fazer comigo. Essa é uma angústia velha, eu não sei o que estou fazendo comigo. Me demoro tanto olhando atônita que começo a sentir também frio e tremores. Em pé ancorada no trinco gelado da porta nesse frio campinense na merda desse apartamento só meu. Que diabos de sonho foi esse que eu desejei? Esse sonho é meu? Essa cidade, esse emprego, esse apartamento, esse frio?
Busco o cobertor no quarto e enrolada volto ao escritório. Acendo a luz. Me aproximo de mim e penso em me perguntar o que preciso, mas sei que não conseguiria responder. Quando nada rompe o silêncio, o que mais vale são os gestos. Deito comigo mesma, em conchinha, nos cubro com o cobertor que abarca essas eus pequenas, magras, medrosas, tristes e que já não sabem o que é temperatura, o que é físico, o que é emocional e o que é realidade. Deitadas ficamos até nos aquecermos, abraçadas. O frio passa depois de um longo tempo. Já não trememos. Então minha eu vira de frente para mim e nos olhamos nos olhos, tão fundo que só se pode olhar assim para quem muito conhecemos. Tão fundo que enxergamos a resposta. Não temos respostas. Nossos olhares são desespero e angústia, mas já não temos frio. Já não estamos no quarto escuro e trancado.
A mulher que sou continua deitada com a criança mulher, olhando com e nos olhos inchados de tantas lágrimas. Há um cobertor de amor nos cobrindo, que serve por enquanto para não morrermos. É o suficiente. Se eu me salvei da morte do frio, eu vou me salvar dessa tristeza que parece ser infinda.

12/09/2023

Depressão

Ela foi crescendo paulatinamente, sem que eu percebesse, como uma sombra. Certo dia já fazia parte de mim, certo dia eu chorava todos os dias, certo dia eu não conseguia chorar, certo dia o silêncio dormia comigo, certo dia eu já não lembrava do som do meu grito, certo dia eu sequer sabia o que era pedir ajuda, certo dia a vida pareceu muito longa com menos de trinta, certo dia achei que não nasci pra ser feliz, certo dia tive certeza que não fui feita para ser amada, certo dia a vida sequer brilhava olhando pro sol. Não sei quando começou, também nem imagino quando vai cessar. Enquanto isso, busco os dias errados, driblo tal qual uma criança fugindo do pega-pega, finjo que não me tomou, imagino que me pertenço. Até (re)encontrar quem eu sou - sem ela.

31/08/2023

Entre

Eu moraria entre teus seios.

Se você deixasse
neles me esqueceria
como quem acorda sem saber
ano mês dia.

Passearia no cheiro
alcançaria o formato
ancoraria na ponta
e me encontraria na certeza
de que são os mais lindos
que já experimentei na vida. 

E se um dia você me dissesse
pra ir embora
procurar outro meio
circular em outro canto
seria então na saudade
entre teus seios
que eu moraria.

02/08/2023

Ecdise

a mulher que quero ser
é maior do que a que eu sou

a sensação é de que estou
cortando a carne
rasgando a pele
para me fazer grande

as vezes quero correr
até não sentir mais meu corpo
até esquecer que tenho um

por vezes na intenção de me achar
por vezes na intenção de simplesmente
ir cada vez mais pra longe
de quem quero ser

25/07/2023

Primavera

meu corpo é leve
minha idade é pouca
meus pensamentos são muitos
meu coração é pesado
e a estrada é longa.

minha sede é grande
minha fome é constante
minha escrita é urgência
e a noite sempre chega.

torço pela primavera...

03/07/2023

Poeta

Do lugar que eu me encontro, é tudo tão escuro e sem caminho, que o único alívio é pensar que sou poeta. Não sei no que sou boa, não sei que lado vou seguir, não sei porque nunca pensei minha vida como quem pensa no que gosta, mas ainda bem que eu escrevo.

Acho que é tarde e já não tenho mais tempo, no entanto faço esforço para minha mente acatar que só carrego 29 anos e ainda posso descobrir o que fazer nesse mundo que me nutra. Oscilo tanto entre uma coisa e outra, acabo por conceber nada. Acho que aceitar o que não quero seja um passo. É Chico Science, talvez eu já não esteja no mesmo lugar. 

Muitas vezes me encontrei perdida. Como todas as outras, essa também parece não ter saída. Choro e rio. Toda dor é diferente e eu já enfrentei tantas. Choro e rio. Há anos eu escrevo para achar a saída de minhas dores. Choro e rio. Um dia me encontro - e torço que não demore tanto.

16/06/2023

Foz


nosso encontro é como rio

com mar

ora sou água doce

ora sou água salgada

assim também é você

estou em correnteza

não tem distância                                                      que desvie esse curso

me
      lancei
                 nas
                        tuas
                                águas

ao mesmo mesmo tempo que espero


você
desaguar          
em                            
                      mim                                   

na foz de barra, me inundou:
eu já aspirava por tua chegada

é gostoso demais me misturar em você

17/05/2023

Astrolábios

não sei como configura o céu

mas me faz pensar

que vênus se encontra bem posicionada

quando você está de pernas abertas

16/04/2023

Emaranhado

Eu sempre amei torto. Tortíssimo. Não sei amar em retidão. Eu amei sempre em emaranhado. Com outros sentimentos que se misturam. Apego, ciúmes, raiva. O amor deixa de ser amor por estar emaranhado com outros sentimentos? Existe amor só amor? Não sei, sempre amei assim. Muitas vezes senti culpa por não saber amar. Até hoje não sei. Não saberei. Acho que não se aprende a amar. 

É difícil saber quando o amor chega, mais ainda quando o amor se vai. Ver o amor emaranhado sem amor muitas vezes fez eu me apegar aos outros sentimentos, achando que ainda amava. O vazio do amor é coisa doída que faz a gente desejar sentir qualquer coisa, mesmo que coisa mais doída ainda de sentir. Talvez o amor se transmute, reivindicando um outro emaranhado.

Se aprendi que quando amo mudo a mim, aprendi com meus grandes amores. Lembro deles e desejo um espaço novo em minha vida. Grandes amores deixam um dia de serem amores? Acho que talvez se emaranhem outros sentimentos, maiores e que precisam de mais entrelaçados. Amor com amizade, cuidado, intimidade de quem já conhece a doçura e amargues daquela alma.

Cansei da culpa de amar torto, impreciso, falho. O amor que entreguei não me arrependo, ainda que fosse coberto com o novelo de outros sentimentos. Posso tecer novos emaranhados, aprender em crochê modelos mais ajustados, mas não sou habilidosa com a agulha. Me interessa mais colocar o fio na ponta, movimentar as mãos, cruzar as linhas. Ver a mistura das cores.

Não sai adorno bonito. O que sai quando amo, é o que sou. O que sou muda, inevitavelmente. Então sim, meus grandes amores serão ainda grandes amores, só que de grandezas fiadas de um amor com linha diferente.

E quando amo é com o que sou, posso amar adiante um outro grande amor com emaranhados novos, mas as mãos de quem já sabe que mais vale os olhos no instante e a beleza da persistência. Não sei amar bonito, não quero saber de formato. Todo grande amor é como a utopia de aprender a amar pela primeira vez.

15/04/2023

Transmutar

eu existo enquanto humana
quando escrevo

deixo de ser só um bicho que
observa
corre
escuta
come
fode e reza.

03/04/2023

Pai

Não sei o dia em que você juntou suas roupas e foi embora. Eu tinha quatro anos e não tenho nenhuma lembrança, mas sei que ali eu morri. O que recordo, quando maior, é de minha eterna saudade e a dor da despedida. Não sei se criei ou se o filme de ir seguindo dentro do carro e te dando tchau, realmente existiu. Sei que sempre tive a sensação de te abandonar. Que estranho, né? Eu era a criança e você o adulto, morando isolado. Como até hoje. Eu sempre fico pensando de onde vem minha dor em não ser amada e o meu medo de ser abandonada. Cada vez que chego a mais respostas, escrevo.
A melhor memória que tenho é descendo um tobogã de lama e mergulhando no rio. Você fotografando eu e meus irmãos. Fico indagando o quanto de memórias eu apaguei para não lembrar a dor de não ter você ao lado. Um pai sazonal ainda é um pai para a realidade de hoje. Mas eu sei das faltas. Eu ainda sinto elas. Será que deixarei de sentir um dia? As vezes penso em te ligar e dizer: eu também sei te abandonar. Que estranho, né? Isso diz muito sobre minha incapacidade de ser filha.

Essa é a primeira carta de não-amor que escrevo para você. Vinte quatro anos depois, porque agora eu sei escrever e sei de mim.

Mama

Percorro a casa resmungando: "tudo sou eu!". Lembro minha mãe e penso: "estou me tornando igual". Mas no sopapo estendendo a calcinha recordo: "ela têm três crias". Nunca hei de saber como aguentou ter ela e ainda mais três. Nesses beliscões figurados que a vida me dá, eu sei da sorte de tê-la. 

É difícil me ter. Tudo sou eu! E para ela, que além de tudo ser ela, tínhamos nós também? Temos nós também. Até o fio da vida se cortar, ela nos terá. É pesado ser eu. Mas eu tenho ela. Ainda. Desço do banco, olho as roupas para lavar, a pia de pratos... Eu não estou sozinha.

20/03/2023

Caravela

lembra daquele dia em que estávamos no mar
depois de você ser queimada por uma caravela?
não sei se recorda minha expressão

agora também me encontro no misto de
querer aproveitar a água em um dia lindo
mas não ser marcada pelo desconhecido

é que eu apaixonada me perco de mim
e fico na espreita
com o corpo metade submerso
metade no ar
achando que algo vai me encontrar
que não seja eu mesma

eu estou com medo
de mergulhar nesse fogo
parece ser tanto
que eu posso me queimar

paixão é assim
a gente sai de si e olha mais para a outra
e eu já deixei muito de me olhar

não é sobre você
eu não tenho medo de te aprofundar
na verdade estou inundada de curiosidade

naquele dia dentro do mar
por trás do meu olhar de medo
eu estava te observando existir na minha frente
e deu tempo de perceber o quanto
você combina com a coragem

06/03/2023

Segunda-feira

Ainda tenho muito o que caminhar na aceitação de que não sou uma. Não entendo o quanto expando e as vezes me parece fazer todo sentido existir, como também me apequeno por achar que o mundo é muito custoso.

Hoje cedo da manhã fui trabalhar e olhei nos rostos das pessoas sonolentas e um tanto tristes. Pensei, será que vejo meu rosto no delas?

Passei o dia não querendo sentir, como se eu pudesse. Eu acho que posso. Tem essas duas aqui, a que sente demais e a que quer agir na vida porque amanhã já é terça.

Hoje eu fiz terapia em confronto com a que acha que amanhã já é terça.

Chorei como a mulher que sou, a que chora tentando não ser atropelada pela dureza da vida. A que se derrete inteira e esvai.

Amanhã não sei a que vem. Não quero saber. Hoje ser já é muito.

06/02/2023

Coragem

eu sonhei com um quarto de gelo e um menino. o menino se divertia sem medo do quarto desabar. 
o quarto é meu coração, estou congelando eu-criança.

coragem é o oposto de gelo.
medo é gelo. 
meu coração é medo.

quero espiar quem eu posso ser com olhos curiosos de criança. como uma brincadeira. 
uma brincadeira que não cansa, porque toda ela pode ser recriada.

brincar é movimento. 
brincar é descongelar-se.
recriar a si deve ser descongelar eu-adulta.

coragem é fogo.
coragem é o oposto de medo.
coragem é o que descongela.

10/01/2023

Sensitiva

De tudo que conheci em você, o teu cheiro foi a coisa mais inebriante. Eu tenho rinite, meu faro não é boa coisa. Mas tenho memória olfativa. Não sei se tem coisa melhor do que cheiro de mulher. E o teu cheiro foi o melhor que já gravei.

Lembro do dia como se agora fosse, você apenas - ainda - minha professora, casada, tão impossível que ardia o vislumbre do desejo de te ter. Até que senti teu cheiro e pensei que ali eu poderia me perder. E me perdi. Teriam outros tantos lugares teus em que nem imaginava que me perderia, mas foi no teu cheiro que eu me demorei.

Foi pelo teu cheiro que eu tantas vezes voltei.


É como se te sentindo, enchendo meu pulmão de ar e significando na memória que ali é tua presença, eu pudesse me esvaziar soltando o ar, porque de uma maneira simbólica, dependente e limitante, eu fui preenchida.


Agora eu prefiro sentir sua falta - que são minhas faltas -  do que sofrer em tua presença.


Mas uma calma estranha me acompanha, a certeza de “fazer uso de antialérgico e continuar no ambiente empoeirado”. Vi essa frase no Instagram. Não adianta fazer terapia e se negar a abandonar. E assim, se ver abandonada também.


Não quero equilibrar tensões, correr para a tranquilidade, puxar o fôlego para o amor. Não quero morar na tua nuca, tentar me caber na anestesia do teu cheiro.


Eu já me perdi em muitos lugares teus, consciente e inconscientemente. Já percorri o labirinto da nossa relação. Já o desvendei. Eu estou na saída, com medo de me encontrar.