03/04/2023

Pai

Não sei o dia em que você juntou suas roupas e foi embora. Eu tinha quatro anos e não tenho nenhuma lembrança, mas sei que ali eu morri. O que recordo, quando maior, é de minha eterna saudade e a dor da despedida. Não sei se criei ou se o filme de ir seguindo dentro do carro e te dando tchau, realmente existiu. Sei que sempre tive a sensação de te abandonar. Que estranho, né? Eu era a criança e você o adulto, morando isolado. Como até hoje. Eu sempre fico pensando de onde vem minha dor em não ser amada e o meu medo de ser abandonada. Cada vez que chego a mais respostas, escrevo.
A melhor memória que tenho é descendo um tobogã de lama e mergulhando no rio. Você fotografando eu e meus irmãos. Fico indagando o quanto de memórias eu apaguei para não lembrar a dor de não ter você ao lado. Um pai sazonal ainda é um pai para a realidade de hoje. Mas eu sei das faltas. Eu ainda sinto elas. Será que deixarei de sentir um dia? As vezes penso em te ligar e dizer: eu também sei te abandonar. Que estranho, né? Isso diz muito sobre minha incapacidade de ser filha.

Essa é a primeira carta de não-amor que escrevo para você. Vinte quatro anos depois, porque agora eu sei escrever e sei de mim.

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