26/06/2024

roda viva

"tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu". por um tempo (não cronológico) longo me senti assim. as vezes quando a roda da vida carrega a felicidade pra lá eu me pergunto se estou voltando a morrer. tenho medo da morte que é a depressão. tenho medo dessa partida em vida. tem sido estranho sofrer vigilantemente. tenho sido igualmente estranho me alegrar vigilantemente. parece que estou me acostumando ainda a voltar a vida. ou melhor, acho que ainda estou voltando a vida. por vezes penso que esse momento é só a cabeça saindo do fundo do poço para um respiro e que vou voltar a cair. que a roda da vida vai me levar pra um lugar obscuro de novo.

queria que esse semestre eu fosse bem recebida de volta a minha terra por quem diz que me ama.
queria não ter que romper tantas relações.
queria que eu fosse mais amada.
queria que o são joão tivesse sido mais quente.
queria ter ido na roda gigante do parque do povo e visto a vida lá de cima.

to com muita ânsia de ver a vida por uma perspectiva ampla, gostosa, diferente, colorida.
"nas voltas do meu coração" eu sei que tenho feito o possível para isso.

29/05/2024

o vazio: das possibilidades

nasci em uma sexta-feira pós-eclipse lunar, prematura e saudável. acho que a vida não é como tem que ser. a vida é. e não é como a gente quer. se a gente quiser a vida mais próxima do que se quer, tem que primeiro entender que ela é. fiz trinta anos numa segunda-feira de sol, tomando café da manhã numa padaria, agradecendo nas águas de yemanjá e mais tarde soprando as velas (depois da minha sobrinha rsrs). idealizei minha vida aos trinta, meu aniversário de trinta, minhas conquistas aos trinta, um tanto diferentes. essas décadas sentidas me levaram a desidealizar a vida de maneira arrebatadora - bruta e fascinantemente. mas caço simbolismos, porque sou poeta. a vida não é como eu quero, no entanto invento modos de abrilhantar o que existe. nasci no meu dia preferido da semana, completei três décadas no dia de exu. e ainda neste dia fiz um ano de namoro com o amor que eu sonhei e rezei para conhecer. entre o que a vida é e o que eu quero, existe um vazio de possibilidades. trinta anos é o convite para habitar e dançar neste vazio. então vamos bailar! e bailar em comunhão.

13/05/2024

dia dos amores escolhidos

sinto saudades das coisas que nunca vivi. no plural. saudade já é tão grande, mas a minha saudade são saudades. uma saudade ainda maior. porque sei que não vou viver. o tempo impera e não posso ser criança, adolescente ou jovem novamente. essas saudades parecem simples, mas me são fundamentais quando penso nesse tempo que já passou e não volta mais. porque eu poderia hoje ser uma adulta mais feliz. poderia ou seria?

eu sinto saudades dos beijos de boa noite que minha mãe não me deu quando criança. saudades das festas de escola que meu pai não foi. saudades de ser olhada como alguém que sofre. e que precisa de ajuda. saudades das viagens que meu pai nunca quis planejar. saudades de domingos de filmes, pipocas e aconchego com a minha mãe. eu sinto saudades de não precisar ser confiante, decidida e corajosa. saudades do meu pai e da minha mãe me perguntarem sobre os meus sonhos. saudades de me ensinarem que posso sonhar. e alto. eu sinto saudades de ser alguém relaxada que não procura tensões nas pessoas e ambientes. saudades de ter a paz como referência para a vida. sinto saudades de pensar em ser mãe simplesmente pelo desejo e não para provar o direito de uma criança ter segurança, cuidado, amor. saudades de simplesmente pensar em ser mãe para outra criança e não como uma resposta a falta que sinto em não ter tido uma infância como merecia.

saudades, muitas saudades do que não vivi. choro dores antigas e sinto faltas primordiais. e sigo, com a solidão, essa angústia rasgada em meu peito, que insiste em me mostrar. sangrar tanto tem me levado longe, encontrado outras saudades do que nunca vivi e descoberto que são possíveis. à todos os amores escolhidos, que não preenchem os buracos, mas erguem formatos de outras grandezas em meus solos férteis, que eu nem sabia que existiam. e ao amor, esse grande arquiteto da vida.

07/05/2024

análise

encontrei em mim um lugar seguro. 

apesar da dor, saio da cama. 

apesar da dor, leio um livro. 

apesar da dor, me exercito. 

apesar da dor, vou para a aula. 

apesar da dor, vejo minhas amigas.

apesar da dor, eu sorrio.

apesar não, além da dor.

encontrei em mim um lugar de amor que eu não sabia que existia.

01/05/2024

três décadas

não há mais espaço em mim para a violência. não quero mais fundir um lugar onde não me cabe. não vou mais ser emocionalmente equilibrada o tempo todo. eu quero poder estar segura na relação. eu quero poder saber que tenho espaço na relação. eu quero poder ser grossa e rude para me defender. agora eu já tenho consciência nessas três décadas que eu posso apenas ser com alguém. conto nos dedos de uma mão, é verdade. mas tenho. isso é tão precioso para quem um dia se achava abandonada no mundo. essa firmeza veio de eu não me abandonar mais. eu sei que voltar para a casa da minha mãe foi não me abandonar. mas agora não me abandonar é sair. tão duro ter que sair de novo por razões antigas. doi fundo na alma, mas me traz uma sensação tranquila de que eu já aprendi a viver por mim.

17/04/2024

no centro de mim

há vida na retaguarda da depressão. começo a perceber as pessoas, me perceber nas pessoas, começo a me perceber como pessoa. o rapaz que trabalha no centro da cidade lavando carro as sete horas liga o samba nas alturas na caixa de som e dança. eu acho a alegria dele contagiante. me emociona. penso que posso encontrar essa alegria em mim também e logo encontro. sorrio. no final da manhã uma senhora conversa comigo na parada de ônibus falando que juventude é a melhor fase, onde não há problemas. e que depois do casamento vem as contas e obrigações. discordo e sorrio. é bom saber que embora não tenha sido assim comigo, vale a pena não ter aceitado a promessa do casamento como salvação. aqui na minha cidade o céu fica cinza e azul com muita facilidade. definitivamente sou parahybana. não me chame para outro lugar. e agora que voltei consigo entender melhor essa instabilidade climática. tenho aprendido a abrir o céu depois de uns anos com o clima muito cinza. sorrio para a lagoa e penso que estou no caminho certo, no lugar certo, no corpo certo, no centro de mim e com fartos desejos aqui dentro. na retaguarda da depressão, há muito o que fazer comigo mesma. sou grata por não desistir de buscar o sorriso. modéstia à parte, acho o meu muito bonito. :)

26/03/2024

Notas psicológicas

O pai da minha grande amiga está morrendo. Comecei a sentir muita tristeza e não entendia o porquê. Ver ela enfrentando o luto de um pai vivo me permitiu compreender a razão de tanta angústia. Finalmente dei nome. Eu vivo o luto do meu pai há anos. De quem está aqui, mas já foi faz tempo. Eu sofro o luto de um pai vivo e o medo de que ele morra é a concretização da falta do amor dele por mim.

20/02/2024

Pai II

Seu amor pelas galinhas é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelos cachorros é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelos seus discos é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelas suas ferramentas é maior do que seu amor por mim
Seu amor pela sua casa é maior do que seu amor por mim
Seu amor pelo seu sítio é maior do que seu amor por mim
Seu amor por mim é do tamanho de sua boca
Que você solta e ecoa
Mas eu não consigo sentir
Seu amor por mim não faz você vir até mim
Isso é amor?

Então terei que ser eu irracional ou inanimada?