04/05/2020

Porta destrancada

Ontem eu queria não ter contado os dias. Só por ontem. Não pensar que era sábado, que horas são, o que cozinhar, me perguntar o porquê afinal eu continuo fumando em plena pandemia, não lidar com o vazio de dentro pra fora de fora pra dentro. Ontem eu podia não ter contado os dias. Não sabia que era possível, por isso preferi não mensurar em meses. Achei mais justo aliviar o peso do tempo. 

Mas você simplesmente entra na minha rua, brota em frente a minha casa, quiçá invadiu meu sonho! Sigo presa na imagem de cruzar o portão e te encontrar ou ser acordada ainda meio bêbada por você ou despertar ouvindo sua voz e me deparar contigo no corredor. Qualquer memória criada sobre te ver me tira o ar. Qualquer cena concebível é avassaladora. 

A porta estava destrancada e eu nua. Quase um pleonasmo. Os dois atos anunciam a mesma coisa: me encontro absolutamente despida. Não tem razão contar os dias, não sei o que o tempo nos reserva, mas espero a tua chegada. Sem ser certa, sem ter data. Doído que é me jogar na incerteza, mas sensato para quem vive a suspirar tua presença.

Poder te ver me sacudiu por dentro, perdi os cálculos. Agora vou driblar o tempo, o calendário já perdeu o propósito mesmo. Vou te escrever com título próprio, para saber que cada palavra escrita é pensada em você. Não medida. Agora a porta vai permanecer destrancada. E eu dormindo nua.

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